quinta-feira, 26 de abril de 2012

Capítulo 25 – Você me odeia, e eu...

A festa acabou por volta das cinco horas da manhã, foi quando a maioria já tinha saído e alguns permaneceram jogados pela casa, bêbados demais pra qualquer coisa. Às onze e meia da manhã foi quando a maioria acordou. Estavam apenas Micael, Chay, Pedro, Sophia, Rayana e Melanie na sala.
- Ahnhumhn... – Sophia acordou murmurando alguma coisa sonolenta. Estava de olhos fechados e sentia uma mão quentinha repousar em cima de sua coxa. Jurava que era a mão do Micael, mas quando acordou deu de cara com Pedro e soltou um berro – AAAAH, TIRA A MÃO DE MIM! CADÊ O MICAEL?!
- MAS QUE PORRA! VÃO GRITAR ASSIM LÁ NO INFERNO BANDO DE CU! – Rayana também acordou super bem humorada tampando o rosto com uma almofada – Chay, tira essa cabeça pesada de cima da minha barriga, ta doendo! – falou balançando Chay pelo ombro, mas o menino não se mexeu então ela se levantou assim mesmo, fazendo-o quicar a cabeça no chão e acordar assustado.
- Por que todo mundo grita quando acorda e me vê? – Pedro ficou sentado no chão com a cara amassada e o cabelo terrivelmente bagunçado.
- Olha, eu não sei o que foi que a gente fez ou deixou de fazer pra acordar desse jeito, mas eu realmente não quero lembrar! – Melanie também se levantou e estava ao lado de Micael, que dormia pesado mesmo com toda a gritaria. ‘Por que estou ao lado do Micael mesmo?’ Ela pensava...
- Pelo menos estamos todos com nossas roupas completas, é um bom sinal! – Chay estava sentado, com a mão na cabeça. Mel o olhou e mandou um beijo no ar.


Já passava das três da tarde quando Lua foi acordada com Micael balançando seu pé.
- Anhain... larga do meu pé, cacete! – ela falou e cobriu a cara com o cobertor.
- Lu... Você ta bem? Já faz tempão que tu apagou menina! – Pedro se abaixou no chão perto do rosto dela. Lua tirou o cobertor de cima do rosto pra poder olhar quem estava no quarto. Rayana em pé ao lado de Pedro, Sophia sentada na beirada da cama com os braços cruzados, Micael ainda balançava seu pé pra lá e pra cá irritantemente, Chay sentado num puff e Melanie chegava com um copo que tinha algo borbulhando dentro.
- Eu to bem, eu acho. Só um pouco estranha, tipo... Minha cabeça ta pesada e parece que eu tenho um ferro de passar roupa no lugar do estômago! – ela foi se sentando lentamente – Micael pára de chacoalhar o meu péééé! – falou manhosa demorando-se na última palavra.
- Larga o pé dela! Deixa de ser chato... – Chay passou por ele e lhe deu um pedala. Micael ficou rindo e largou o pé da menina, que agora tomava o remédio que Melanie entregara.
- Eu não sei bem o que eu vi, se eu vi ou se foi sonho... Mas você ficou com aquele seu colega bonitinho, não ficou? – Soph perguntou, Lu quase se engasgou e olhou assustada.
- Fiquei?
- Ficou sim que eu também vi! Logo depois que vocês dançaram em cima da mesa! Aliás, ele dança muito bem... – Ray começou a sorrir idiotamente e Pedro olhou pra ela. Apagou o sorriso assim que percebeu.
- Da-dancei em cima de uma mesa? – Lu apontou pra si mesma como se estivesse chocada.
- Sim e tirou a blusa. Foi um trabalho pra gente pegar a sua blusa de volta com um carinha lá! Ele queria levar embora, mas eu só não deixei porque sei que foi cara!
- EU TIREI A BLUSA EM CIMA DE UMA MESA! Pensei que fosse pesadelo...
- Ta vendo, vai beber muito... Você desmaiou e eu ajudei Eric a achar seu quarto.
- Ele me carregou até aqui?
- Uhum. Me ajudou também a resgatar sua blusa e te vestimos de novo pra você não acordar sem roupa e assustada. E ele foi embora logo depois, como tava bêbado demais, chamou um táxi. – Rayana explicou e pelo jeito era a que mais se lembrava das coisas – O carro dele ficou guardado aí na nossa garagem, é provável que logo mais ele venha buscar.
- Arthur viu tudo isso? – Melanie se virou pra Rayana.
- Viu. Ele estava com uma menina também. – quando Rayana falou, Lua abaixou o olhar. Estava começando a se lembrar.
- Arthur ligou no seu celular de manhã, querendo saber se você já tinha acordado... Você deu susto em todo mundo desmaiando em cima da mesa de centro, mocinha! Eu não vi, mas quando contaram, nem acreditei! – Micael sentou na beirada da cama e beliscou de leve a barriga dela.
- Erm... – ela queria perguntar como Arthur estava, mas preferiu mudar de assunto – Alguém passa o meu celular? Quero saber que horas a mula do Eric pretende vir aqui buscar o carro dele.


Quando Eric foi buscar o carro na casa de Lua, ele parecia não se lembrar de nada da noite anterior. Era melhor assim.
- Nossa, foi boa a sua despedida, viu! Bebi tanto que acordei sem saber onde estava! Detalhe: eu estava no meu quarto. Levei dez segundos pra reconhecer o MEU quarto! Tem noção disso?! Fiquei loucão! – ele deu uma risada daquelas meio 'débil-proposital' e fez Lua apertar os olhos sorrindo. Eric foi um bom amigo, ela ia sentir saudade.
Eric retirou o Citroen C3 da garagem e o estacionou na calçada. Ele saiu novamente pra conversar e ficou de pé ao lado da porta aberta.
- Então... você vai mesmo, não é? – Lu estava de frente pra ele e deu uma última olhada no carro. Lembrou das vezes que Eric já foi buscá-la em casa junto com o resto dos amigos pra estudarem para alguma prova super difícil e no final acabavam não estudando coisa alguma. Definitivamente sentiria saudades.
- É... vê se cuida das periguetes e dos dois paquitos-wannabe! Você sabe que a mais responsável sempre fui eu! Agora que eu vou embora, tome conta dos vadios por mim! E eu sei que eu já disse ontem, mas quando vê-los diga que eu amo todos e vou sentir muita saudade! – Lua percebeu que seus olhos estavam aguados e passou a mão pra enxugar.
- Pode deixar, você ta falando com o homem da casa, filha! – ele a abraçou – E você nunca foi a mais responsável! – falou quando a soltou e começou a rir. Ela lhe deu um tapa no braço e ao olhar um pouco pra esquerda, viu o Nissan Murano nada notável de Arthur estacionado do outro lado da rua. O vidro escurecido não permitia que ela soubesse se ele estava olhando ou não. Sentiu o ar faltar.
Eric não percebeu que estavam sendo observados. Entrou em seu carro, mas antes de fechar a porta ele pensou por uns instantes. Lua se inclinou na direção dele, vendo que demorava a dar a partida.
- Algo errado com o carro?
Eric não respondeu, a puxou pelo braço e lhe deu um beijo. No primeiro segundo ela permaneceu com o olho aberto sem entender o que ele estava fazendo, mas depois apenas aproveitou, estava se despedindo mesmo, não é? Que mal há...
Um dos braços de Eric estava passando pelas costas dela e ela se apoiava com a mão no banco do carro. De repente lembrou que Arthur estava ali e se sentiu mal com isso. Parou de beijá-lo aos poucos.
- Desculpe! Foi pra despedir, sabe...
- Tudo bem.
- Não sei se você lembra de ontem, mas eu lembro! Eu já ia embora sem falar isso, mas eu podia me arrepender. Espero que não guarde nenhum ressentimento!
- Sem ressentimentos Eric, eu também me lembro de ontem. Eu é que peço desculpa por ter te obrigado a dançar!
- Foi legal até. Sabe que tem um monte de meninas me ligando?! Só não sei como conseguiram meu celular!
- Imagino... aliás... não imagino não! Aproveitando o momento sinceridade, eu sempre te achei tão...
- Gay?
- Err, e o Bernard?
- Você sabe que eu nunca fui de contar muito sobre essa parte da minha vida pessoal para os colegas da faculdade, mas eu já te contei alguns episódios entre mim e Bernard. Nós estamos atravessando uma fase difícil! Parece que ele engravidou uma baranga.
- Ah, Eric! Sinto muito. Espero que se acertem! – Lua se inclinou novamente e o abraçou.
- Obrigado. – se soltaram e ela deu uma rápida olhada para trás ao voltar à posição ereta. O carro de Arthur não estava mais lá e ela sentiu como se alguém tivesse lhe dado um soco entre os seios. Disfarçou e retornou à conversa.
- Quando você comentava comigo sobre Bernard, eu achava que você nunca ficaria com uma menina!
- Você não foi a primeira menina que eu fiquei, Lu. Mas foi a única que não me trouxe arrependimento. Você é minha melhor amiga, uma ótima pessoa e eu torço que seja feliz onde quer que esteja!
Ela abriu um pouco a boca, mas as palavras não saíam, então resolveu sorrir. Eric se endireitou no banco, fechou a porta e abaixou o vidro. Os dois acenaram e ele foi embora.
Lua sentou-se no meio-fio e permaneceu por horas pensando em como tudo pode dar errado assim! Pelo fato de Arthur tê-la visto beijando Eric duas vezes em menos de vinte e quatro horas e nessas duas vezes ele apenas saiu frustrado. Se lembrou que antes esse papel cabia à ela. Na época do colégio, Arthur ficava com outras meninas pra testar o ciúme dela e a reação dela era essa, desaparecer. Agora ela fez isso e descobriu que é ruim. É algo extremamente ruim beijar alguém sabendo que quem você gosta observa sofrendo.
O dia de domingo terminou rápido, visto que a maioria deles havia acordado no meio da tarde. E também, domingo sempre passa rápido mesmo...
Na segunda-feira, Micael, Arthur, Pedro e Chay não visitaram nenhuma das meninas e passaram o dia com os celulares desligados. Também não disseram onde estavam. Lua procurou nem pensar neles, pois só tinha planos para a viagem. Porém as outras meninas estavam desconfiadas! Conhecendo esses garotos, elas já entenderam que quando os quatro somem assim é porque um deles está mal com a namorada e provavelmente estão armando um plano mirabolante pra reverter a situação. Foi assim pra ajudar o Pedro, depois o Chay e agora chegou a vez do Arthur!


Terça-feira à tarde Lua saiu à convite de Matthew. Os dois queriam ir à sorveteria que fica perto do colégio onde estudaram. Ela continuava igual e vários outros adolescentes estavam por ali substituindo-os. Depois seriam substituídos também... Como o tempo passa.
- É bom relembrar! Eu vinha bastante aqui com Sophia e Arthur!
- É! E nunca veio comigo, né tratante?!
- Acho que faltou a oportunidade, mas nunca é tarde pra primeira vez, num é?!
- Claro... Por falar em Arthur, eu notei algo estranho entre vocês na noite da festa. Foi impressão minha ou rola uma tensão entre vocês?
- Tivemos umas diferenças aí – Lua respondeu como se estivesse conversando com sua taça de sorvete.
- Mas até onde eu sei vocês eram amigos, não eram?
- Ah Mat, a gente se envolveu um pouco mais do que isso, mas eu não quero falar dele.
- Já entendi, desculpa aí.
- Entendeu o que?
- Que vocês continuam no mesmo joguinho de anos atrás.
- Que joguinho?! Não tem nenhum joguinho.
- Claro que tem e eu sempre achei muito engraçado! Vocês são amigos, estão sempre juntos, tem a mesma opinião pra quase tudo, e mesmo assim não conseguem admitir que tem mais coisa aí!
- Não tem coisa nenhuma, agora a gente nem é amigo. Não somos nada.
- Porque não querem.
- Porque é impossível!
- Num é não.
- É.
- Eu conheço vocês há um bom tempo e sempre foram assim! O Arthur já ficou com outras meninas, você comigo e os dois fingindo que não tinha nada demais, quando na verdade, vê-lo com outra te causava embrulho no estômago e nele também.
- Haha... que bobo você.
- E vocês estão com medo de...
- Que é?! Virou psicólogo?
- Segundo ano de psicologia! Ainda viro um psicólogo e se até lá você e ele não tiverem se acertado, serão meus primeiros pacientes!
- Pára com isso Mat, eu e Arthur numa mesma área é sinônimo de destruição.
- Pra mim é sinônimo de atração! Veremos quem é que está certo aqui – Matthew continuava com seu sorriso que nunca se apaga. Ficaram em silêncio por um tempo, apenas tomando o sorvete e Lua pensando em como detesta o Arthur e não quer ficar com ele de jeito nenhum.
- Não tem certo nem errado, Mat. Arthur e eu já tivemos todas as chances que foram possíveis e agora eu só quero começar uma vida nova num país novo, tudo zerado!
- Ah, acho que você
vai gostar de lá! Eu gostei...
- Sério? Me conta.
- Assim... logo que eu cheguei foi meio difícil até adaptar com o sotaque, saber que eu era o estrangeiro e tal... Mas depois, tudo foi se ajeitando. Estou até noivo e vou ser pai!
- Ahhh, parabéns! – Lua se levantou pra abraçá-lo, empolgada por saber que um amigo estava bem. Ao voltar para o lugar, olhou disfarçadamente para os lados! Depois dos beijos com Eric, passou a ter impressão que Arthur podia estar observando a qualquer momento.
Ah e se estiver? O que é que tem eu abraçar meu amigo (com quem eu vou viajar pra outro país e Arthur acha que dá em cima de mim)? Tenho certeza que se ele visse iria implicar... E é o único homem que fica até engraçado fazendo isso! Ah, esquece esse cara! Você vai se mudar mulher, vai se mudar! Eba eba!
Foi a nuvem de pensamentos dela. Continuaram falando sobre o Canadá e isso fazia a ansiedade de Lua aumentar cada vez mais pra ir logo. Era como um monte de formiguinhas se agitando na barriga... A tarde passou numa velocidade que ela poderia levar até multa por andar tão depressa. Mas que bobeira, a própria tarde não levaria multas. Só os humanos é que levam.
- Então a gente se vê na quinta-feira às 14 horas? Estamos no mesmo vôo! – Matt acabava de acompanhar Lua até sua casa.
- Uhum. Até lá!
- Até! – se despediram com um beijo no rosto e Lua entrou em casa com um sorriso de orelha à orelha. Se animou por saber como é o país, como são as pessoas, já estava se imaginando lá. Passou direto pro quarto e nem ouviu a voz de Arthur conversando na sala. Se tivesse ouvido também não faria diferença. Ela estava muito confiante e completamente convencida de que não havia nem mesmo um resquício de Arthur Aguiar nos pensamentos dela, na vida dela, no coração, em nada. Ainda assim precisaria provar isso à si mesma.


Quarta-feira, véspera da viagem. Lua acordou tarde naquele dia com Rayana pulando em sua cama.
- OH , ACORDE FLORZINHA, HOJE É O SEU ÚLTIMO DIA NESSE PAÍS! – Ray tentava gritar no ritmo de alguma música enquanto pulava, depois caiu sentada vendo que Lu já se levantava.
- É, tem razão! Não posso ficar dormindo, né!
- Óbvio que não! O que vai fazer hoje? – Ray perguntou com os olhos brilhantes em cima dela.
- Calma, Rayana! Também não é como se fosse o último dia do mundo, err!
- É, verdade... Mas o que vai fazer hoje? – tornou a perguntar empolgada e Lua riu. Já tinha pensado nisso a noite inteira, ou pelo menos, na parte onde ainda não havia conseguido dormir.
- Tenho uma coisa pra fazer antes de mais nada – Lua se inclinou e abriu uma das gavetas do criado mudo. – Segura! – ela jogou um porta-retrato na cama em direção à amiga, depois levantou e se fechou no banheiro. Rayana ficou com uma cara de interrogação gigante.
Dez minutos depois ela saiu de lá com uma maquiagem leve e bonita. A sombra rosa-claro nas pálpebras e as bochechas levemente rosadas, junto com os olhos que pareciam naturalmente alegres, brilhantes e descansados, davam a ela a produção mais bonita que já tivera. Rayana continuou a observar em silêncio até Lua terminar de se vestir. A interrogação continuou desenhada em cima da cabeça dela a todo instante. Por que estava se vestindo? Pra onde Lu ia? Ela só se perguntava.
- Estou bem?
Lua vestiu um short xadrez, uma camisa de babadinhos e calçou uma sandália preta que deu um ar todo chique à produção. Claro, sem esquecer da pulseira que Arthur devolveu e agora estava sempre no braço dela.
- Pra onde vai assim?
- Assim como?
- Sei lá... Com essas pernocas de fora e saltão!
- Tenho que devolver esse porta-retratos do Arthur.
- Hum... pensei que tinha queimado.
- Claro que não! Isso não é meu. Nem mesmo a foto que está aí dentro... Quer dizer, a foto é minha, mas... ah, deixa pra lá. – Lua pegou o porta-retratos da mão de Rayana e colocou na bolsa.
- Não estou entendendo o seu comportamento! Por que vai à casa do Arthur na véspera da sua viagem?
- Rayana, meu docinho... tem coisas que não dá pra explicar! Simplesmente eu pensei em ir, e pronto.
- Você não vai matá-lo, vai? Deixa eu ver se não tem uma faca aí nessa bolsa! – Rayana fingiu vasculhar a bolsa dela rapidamente e Lua sorriu. Outra coisa que ia sentir falta era dela.
- Ray! Eu só acho que precisamos de uma última conversa. Só isso... – Lua segurou a amiga pelos ombros e falou com seriedade. Depois deu uma última olhada no espelho e saiu. Rayana estava sentindo que isso não ia prestar. Definitivamente.


Arthur’s point of view ON


Hoje eu acordei cedo e fui correr. Sim, você acha que é fácil manter esse corpinho? Na verdade eu corro mais quando me sinto ansioso e hoje eu tenho motivos DE SOBRA pra me sentir assim! É que hoje vai ao ar o programa de entrevistas que gravamos no sábado. Minhas últimas fichas estão apostadas aí! Só de pensar nisso agora o meu coração foi de 75 pra 87 batimentos! Eu estou com o relógio que usei pra correr ainda, ele é muito bom...
Por falar em bom, eu tive vontade de fazer brigadeiro ao chegar em casa! Depois que aprendi a fazer não quero mais parar, simples. Eu sei que estou caindo em contradições... Como é que a pessoa faz exercícios e depois vai cair numa panela de brigadeiro quentinho? Mas o que eu posso dizer? Estou ansioso porque hoje à noite terei a última chance de impedir que a mulher da minha vida se afaste de mim! Ninguém vai me condenar por isso, vai?
Eu terminei de mexer o brigadeiro e apaguei o fogo. O cheiro que estava subindo entrava no meu nariz e se transformava em água na minha boca. Passei o brigadeiro da panela para um recipiente de vidro e agora era só esperar que esfriasse um pouco. Eu olhava para a colher coberta pela massa marrom e ela olhava pra mim de volta. A troca de olhares está intensa. Arthur Aguiar aproxima os lábios da colher quando... A campainha toca. That's broxante!
Cara! Eu estava lá todo empolgado narrando a minha história com a colher de brigadeiro como se fosse um jogo de futebol e alguém toca a campainha! Ah, vai se foder!
- Devaca?! – eu abri a porta e me assustei. De verdade. Acho até que fiquei sem cor... Quem deixou ela subir assim? Que bando de cu.
- Me chamou de quê? – ela cruzou os braços e eu percebi que tinha chamado pelo apelido das meninas. Se elas estivessem aqui, ficariam rindo até semana que vem... Sem parar.
- Eu? Eu... de onde você surgiu? – agora eu cruzei os braços e ela foi entrando. Eita mania desgraçada!
- Quero falar com você!
- Nem deu pra perceber... – murmurei e empurrei a porta desanimado. Lá vem, lá vem! Lá vem coisa! É bosta da Devaca.
- O que?
- Vem cá, onde ficou a sua educação, huh?
- No mesmo lugar que a sua honestidade. – relaxa, ela não vai me tirar do sério. Bufei... coloquei as mãos nos bolsos da calça... dei um tempo.
- Não te dei intimidade pra você ir entrando na minha casa assim!
- E eu por acaso dei alguma intimidade para aquela garota bruta enfiar minha cabeça no ponche? – ela pôs as mãos nos quadris e eu quis rir. Aquela briga delas foi de matar de rir! Eu só não fiquei rindo muito porque estava tratando do Peter, arrgh!
- Eii, não me meta nessa história! Você que quis provocá-la!
- Mas ela me humilhou! Você vai deixar que ela me trate daquele jeito e não vai fazer nada?
- Err... você já quis enfiá-la inteira no meu aquário. – dei de ombros. Estava me sentindo tão em paz que nem a Delilah ia tirar minha calma hoje.
- Ah! – ela deu um gritinho dramático e voltou a cruzar os braços. Se ela não fosse tão ajeitadinha eu diria que ela leva jeito para travesti! Ok, deixe-me calar os pensamentos porque eu posso rir comigo mesmo aqui e isso não vai ajudar!


Lua’s point of view ON


Cheguei ao apartamento e pedi pra não ser anunciada no interfone.
Assim que me aproximei da porta de Arthur, escutei umas vozes e meu coração fez assim: blarrrrghshs! É! Acho que é o barulho que o coração faria se ele se espremesse como uma laranja. E como uma laranja, ficou só o bagaço. Delilah estava lá com ele? Que diabos ela fazia lá? Eu ia embora, mas resolvi ficar. Olhei para os lados e assim como quem não quer nada, encostei o ouvido na porta. Que foi? Quem nunca fez isso que atire a primeira porta! Digo... ah, que seja.
[n/a: em itálico é o que ela escuta com o ouvido colado... bisbilhotando Arthur Aguiar tsc tsc]


...ir entrando na minha casa assim!
- E eu por acaso dei alguma intimidade para aquela garota bruta enfiar minha cabeça no ponche?
- Eii, não me meta nessa história! Você que quis provocá-la!
- Mas ela me humilhou! Você vai deixar que ela me trate daquele jeito e não vai fazer nada?
- Err... você já quis enfiá-la inteira no meu aquário.
- Ah!
- Cara! Se foi sobre isso que você veio falar, pode ir. E se houver outra briga entre vocês, eu torço que a Lua ponha sua cabeça num refogado de jiló.
- Quê?
- Acho que você vai gostar mais porque é amarga como eles.
- Amarga, eu?
- E olha que o pobre jiló nem tem culpa, coitado. Já você não, escolheu ser assim.
- Assim como? Eu não fiz nada! Eu sou vítima nessa história! Só quem se ferra sou eu!
- E o que foi que eu disse? Você que escolheu. Digamos que foi meio infantil da sua parte terminar comigo e depois reaparecer só porque eu tava com a Lua.
- Lua, Lua, Lua! Percebe o que está dizendo, Arthur? Essa menina te colocou 100% contra mim! – pelo tom da voz dela, estava prestes a chorar. Ela deve saber que Arthur não se sente confortável quando uma mulher chora... Principalmente as bonitas, claro! Não que eu esteja admitindo que a Delilah é bonita, longe de mim! Bom, talvez ela seja só um pouco. Eu queria ver mesmo é se ela fosse feia, Arthur não ia nem se importar com o choro dela! Insensível é o que ele é.
- Você é que precisa ver o que está dizendo! Ela não me pôs contra você.
- Ah não pôs não? Então me diz por que você nunca mais quis contar comigo? Ela fez macumba Arthur! Abre o olho!
- Ta bom Dev... lilah, eu vou abrir o que você quiser, mas dá pra você ir embora e voltar só em 2097?
- Aí! Já ia me chamar daquele nome tosco de novo! Aposto que foram aquelas infectadas que me chamaram assim. – é. Definitivamente agora é voz de choro.
- Elas são minhas amigas. E sabe que elas poderiam ser mais amigáveis com você também se você não tivesse sido tão louca?!
- Quem disse que eu quero que alguém seja amigável? Eu só quero reaver o que é meu!
Eles ficaram quietos agora e parece que ela se aproximou dele. Hum... posso vomitar aqui nessa plantinha?
- Pára Delilah.
- Eu sei que eu mexo com você!
- Você nem faz meu tipo.
- Eu faço o tipo de qualquer garoto. Se toca!
- AAA ME SOLTA E SE TOCA VOCÊ! – gente que faniquito foi esse?
- Arthur! Não me diga que você virou gay? Bem que eu achava aquele Micael suspeito!
- CALA A BOCA! Eu não vou cair nos seus truques de novo. Nem chega perto de mim.
- Claro que você não quer que eu me aproxime! Você fica nervoso quando eu faço isso e se confunde todo! credo. Aposto como ela deu aquele sorriso vitorioso que eu detesto. Queria tanto que ela usasse dentadura!
- Não. – ele respondeu meio que sorrindo, ou sorriu meio respondendo! Não sei explicar!
- Por que ta rindo?
- Porque eu tenho o prazer de te desmentir! Não quero saber de você encostando em mim porque me dá ânsia, desespero, chame do que quiser, mas não é agradável. O que eu posso dizer? Você caiu no meu conceito.
- É mentira. Como é possível uma coisa dessas? Eu prefiro me entupir de carboidrato a ter que sair daqui sem você admitir que tem um tesão louco por mim.
- Você não passa de uma vaidosa que só queria ficar comigo de novo pra alimentar o seu próprio ego.
- AH! Você é que é um vaidoso que me usava pra aparecer em algumas festas mais chiques e nos lugares mais informais se espalhava com as outras!
- VOCÊ SABIA QUE IA SER ASSIM! Affe... você sabia de tudo, você até disse um dia que aceitava relacionamento aberto e não sei mais o que.
- Não muda o foco da conversa. Eu só quero saber a porra do bicho que te picou! Ah vai se ferrar, aquela garota chega do nada e toma tudo que é meu!
- Tsc tsc... Sua frase tem um monte de erros. O nome dela é Lua, ela não chegou do nada e você SABIA que eu gostava dela ANTES de te conhecer.
- MAS EU ACHEI QUE EU PUDESSE TE MUDAR, QUE DROGA! – pronto. Agora ela ta chorando descontroladamente e aposto que se largou em algum sofá.
- Delilah... já deu, né? Levanta e vai embora, vai...
- Levantar sim. Ir embora... não ainda!
- Mas o que você quer que eu diga?! Caralho que situação!
- Que você admita os bons momentos que tivemos e que eu não sou tão dispensável assim!
- Olha, eu não gosto de ser grosseiro com as mulheres. Não sou do tipo de celebridade que adora falar baixarias, mas você não ta me deixando muita alternativa!
- O quê? Espera, me deixa adivinhar! Vai dizer que não gostava de mim? Olha Arthur, tem mulher que chega a fingir orgasmo, mas pra homem...
- CHEGA! SERÁ QUE EU VOU TER QUE DIZER COM TODAS AS LETRAS? Você é gostosa, mas já me enjoou, tem como entender isso? Dizem que os homens não sabem diferenciar amor e sexo, mas eu sou homem e sei muito bem. Simplesmente porque quando as duas coisas não andam juntas, é isso que acontece. Acaba. Vira algo tão banal quanto jogar video-game. Sexo eu posso encontrar com qualquer garota, se não for com você tem várias outras que gostariam do seu lugar. Aliás, em último caso, até a minha própria mão pode te substituir! Mas isso não seria preciso porque eu sou Arthur Aguiar. Certo? Agora, você sabe que amor eu só tenho por uma. E é muito mais do que só achar que ela é gostosa... É cuidar dela, querer que ela esteja bem, é ajeitar os travesseiros do jeito que ela gosta, trocar um pouco das nossas gírias internas, é querer surpreendê-la o tempo todo, deixar o último bombom da caixa pra ela, a minha vida sem ela é como um relógio parado... Existem várias pequenas coisas que eu acho que você não conhece! E fico triste por isso, espero que conheça. De verdade.
Nossa! Choquei. Agora ficou silêncio. Ops! A Delilah deu um soluço. Estou ouvindo passos apressados se aproximando da porta, melhor me esconder.


Lua’s point of view OFF


- Tudo bem Aguiar, mas sabe o que EU espero? – Delilah abriu a porta e continuou a falar antes de sair – QUE AQUELA FILHA DA PUTA NUNCA VOLTE COM VOCÊ E QUE VOCÊ SOFRA TODOS OS DIAS COM ISSO!
- SOME DEVACA! DESAPARECE DESSE CONDOMÍNIO, COISA RUIM!
Os dois trocavam gritos agora no corredor. Delilah apertava os botões pra chamar o elevador como se quisesse machucá-los. Lua estava escondida atrás de uma planta que tinha um vaso branco enorme. Arthur entrou e fechou a porta antes que Delilah conseguisse o elevador. Quando um deles abriu as portas, Micael saiu de lá com pilhas de livros nos braços. Delilah fez questão de esbarrar em cheio nele pra derrubar tudo.
- EI GAROTA, PERDEU A NOÇÃO? Ah, é a Delilah... Você nunca teve noção mesmo.
- Quem não tem noção é você e também a sua prima! Deve ser uma família de inúteis.
- Já sei! Acabou de levar mais um fora do Arthur! Ta fazendo coleção?
- Pára de falar comigo mcloser.
- O que foi? Vai chorar?
- Vai dar o cu, viado.
- Ihh, ela já ta chorando! Tchau Delilah, desculpe não tenho lencinhos!
A porta do elevador se fechou e Micael levou um tempo recolhendo os livros. Enquanto ele ficava resmungando coisas incompreensíveis, Lua continuava escondida num cantinho atrás da planta. Ela agradeceu por aquela planta estar ali! Esperou que ele entrasse em seu apartamento.


Arthur’s point of view ON


...é ajeitar os travesseiros do jeito que ela gosta, deixar o último bombom da caixa pra ela, fazer uma tatuagem igual a dela, ter milhares de fotos juntos e guardar todas. É, falei bonito! Ok, voltemos à paz agora. Dechata já foi e eu posso voltar ao meu brigadeiro. Já esfriou, droga. Perdi até a vontade... Mas é como eu disse, ela não conseguiu me desanimar! Hoje é o meu dia, eu vou fazer acontecer! É hoje que eu mato a saudade que estou de abraçar - e não só abraçar - a Lua e arranco de uma vez por todas aquela idéia maluca de... Puta que o pariu!


Arthur’s point of view OFF


Arthur pensava quando a campainha tocou de novo. Ele não queria mesmo abrir a porta, cruzou os braços e ficou olhando pra ela. De onde estava. Tocou de novo e ele não moveu nenhum dos dois pés pra dar um passo.
- Arthur? Eu sei que você está em casa. – Lua não falou muito alto, mas ele ouviu. O som abafado da voz dela atrás da porta fez os batimentos aumentarem, ele viu pelo relógio que apitava de vez em quando. Os pibi's ficaram mais freqüentes. 76, 84, 90...
Arthur abriu a porta ainda sem acreditar e quando a viu de fato, não teve reação. O que ela estaria fazendo ali? E desde quando?
- Pensei que não fosse abrir. – Lua estava com o ombro apoiado na lateral da porta. Desencostou dali e foi entrando.
- Err... eu estava no banheiro. – Arthur coçou a cabeça e fechou a porta.
- Desculpe atrapalhar. Será que tem alguma garota aqui? – ela olhou para os lados e esticou o pescoço em direção ao corredor de quartos – Se quiser eu volto mais tarde.
- Não tem garotas. – bufou meio decepcionado. Achou que ela estava ali porque havia desistido de viajar. – Se você continua nervosa comigo, por que veio aqui?
- Não estou nervosa com você. Suponho que você já teve a oportunidade de me ver nervosa e definitivamente eu não estou agora.
- Ótimo. Como quiser. Mas... A que devo a honra da visita mesmo?
- Nossa! Desse jeito, qualquer um diria que quem está nervoso aqui é você. – Lua deu um sorrisinho e se sentou. Cruzou as pernas e por uma fração de segundo, os olhos de Arthur se movimentaram até elas.
- Não to nervoso. Quem ta nervoso aqui? Não tem ninguém nervoso. – Arthur cruzou os braços balançando a cabeça negativamente. Aquela visita o deixou desconcertado por estar completamente fora dos planos.
- Tudo bem, eu vou ser rápida.
- Vai ser rápida pra dar tempo de ir se despedir do Eric e depois encontrar o Matt?
- Como?
- Você esteve com os dois! Eu vi!
- O Eric é meu amigo! E o Mat... Ah, não te devo satisfação! Só vim devolver isto. – ela mexeu um pouco na bolsa e tirou de lá um porta-retratos. Arthur se aproximou perplexo e o pegou.
- Achei que tivesse queimado. – ele deu uma risadinha pra disfarçar a frustração que sentia. Ela devolvendo a foto deles, dentro de um porta-retrato especial como aquele, causava uma série de emoções nele.
- Isso não é meu. Eu não queimaria algo que pertence à família de alguém. Mesmo que esse alguém fosse um Arthur Aguiar da vida...
- Que quer dizer com Arthur Aguiar da vida? Me odeia tanto assim?
- Não odeio. Você não precisa se preocupar com o que eu sinto, nunca se preocupou mesmo. – Lua levantou e ficou de frente pra ele.
- Odeia sim e eu preciso me preocupar!
- Não odeio e você não precisa.
- Odeia sim! Preciso sim!
- Não odeio! Não precisa não!
- ODEIA E EU PRECISO!
- NÃO ODEIO CARAÍÍ!
- VOCÊ ME ODEIA E EU TE AMO!
Depois dos gritos, os dois ficaram em silêncio. Apenas se encaravam como se pudessem entrar no cérebro um do outro. O único som era o pibi do aparelho medidor de batimentos de Arthur. Subiu a 95 e foi acalmando.
- Ouça. O que você fez me deixou muito chateada por vários dias, mas já passou. A raiva daquele momento foi diminuindo com o passar dos dias e isso serviu pra me mostrar que eu não me importava com você e o que você faz ou deixa de fazer tanto assim como eu pensava. Serviu pra eu ver que você não ocupa um espaço tão grande assim na minha vida! Antes eu achava que se algum dia você me desse motivos pra me decepcionar, o meu mundo ia cair e eu ficaria sem ar. No final das contas... nenhum ar me faltou e meu mundo continua inteiro. O que quer dizer que você não foi tão importante assim. Não pense que eu estou rindo por dentro ao dizer tudo isso e que eu vim aqui só dizer essas coisas pra ver se te humilhava, não é nada disso! Eu só falei porque é verdade e você vai ter de acreditar querendo ou não. – ela se virou de costas pra Arthur e caminhou em direção à porta. Ele deixou o porta-retrato que estava em sua mão numa mesinha e foi atrás. – Eu já vou embora, mas quero dizer que você pode seguir a sua vida sem
culpas assim como eu seg...
A voz se calou e a palavra foi cortada ao meio. Uma morte rápida para a frase que ficou incompleta por culpa de Arthur. Ele segurou um dos braços dela e a puxou para si, colando os lábios nos dela e impedindo que quaisquer palavras fossem ditas.
Lua por sua vez, não demonstrou resistência ao beijo. Arthur até estranhou, mas não ficou pensando muito no caso. Quando a língua pediu passagem ele sentiu o bom e conhecido gosto do protetor labial dela. Que saudade daquele gosto! Lua também teve saudade do gosto do beijo dele. Claro que não tinha a ver com nenhum protetor labial, no caso dela era saudade da eletricidade que provoca o contato de sua língua com a dele. As duas se misturando e os corpos se grudando mais e mais. Eles matavam todas as saudades possíveis resultantes de algumas semanas de afastamento. Dava pra ver que estavam ansiosos por isso. Os braços dele envolveram a cintura dela e o aperto foi tão grande que ficou no limite entre o prazer e a morte. Ela também não estava sendo delicada e começou a puxar o cabelo dele. Alguns fios de Arthur ficaram entre os dedos dela. Os dois estavam dando passos em direção ao sofá, mas tropeçaram numa pantufa que estava jogada no meio da sala e caíram. Por sorte, em cima do sofá. Arthur caiu sentado em cima do controle do aparelho de som e uma música começou a tocar em alto volume de repente.
Ninguém pareceu se importar com o som. Arthur pegou o controle e o jogou longe. Lua sentou no colo dele com seus joelhos dobrados, um de cada lado. Ele mordeu o próprio lábio inferior puxando os cabelos dela pra trás com as duas mãos, a cabeça dela também foi levemente pra trás. Arthur avançou e beijou o pescoço dela. Depois beijou o queixo e voltou à boca. Uma das mãos dele parecia querer deixar uma marca eterna na coxa esquerda dela, de tanto que pressionava os dedos. A outra mão estava passeando por dentro da blusa dela. As mãos dela entraram por baixo da blusa dele e ela começou a passar as unhas de leve na pele das costas. O movimento das unhas foi ficando cada vez mais rápido e forte e ele começou a sentir arder, mas estava extremamente bom. Com certeza os dois sairiam com muitas marcas dali e essas foram só as primeiras. Arthur segurou as duas pernas dela, pegou um impulso e se levantou com ela no colo. Ia levá-la para o quarto, mas ela viu uma coisa no balcão da cozinha que a interessou. A tigela de brigadeiro.
- Me leve até ali. – Lua sussurrou na orelha dele. Ele olhou para onde ela apontava com o olhar e foi. Quando chegaram à cozinha, sentou a garota sobre o balcão. Lua pegou nas mãos a tigela com uma colher dentro. Os olhos de Arthur estavam presos pelos olhos dela, é como se não pudessem se mover dali. Ela pegou uma colherada e deixou que algumas gotas caíssem nas costas da mão. Aproximou a mão da boca de Arthur e ele passou a língua pelo local, ainda sem tirar o olhar dos olhos dela. Ao terminar, Arthur pegou a colher e fez um aviãozinho. Quando estava prestes a entrar na boca de Lua, ele desviava pra outro lado. Foi assim três vezes. Até que ela segurou o pulso dele e chupou o conteúdo da colher pra dentro da boca sem muita pressa. Os olhos dela estavam hipnotizando os dele de novo e pela cabeça dele se passaram muitas besteiras agora. Arthur retirou a colher delicadamente de dentro da boca de Lu e viu que restou chocolate sobre os lábios e também no queixo. Se aproximou, passou a língua sobre esses locais e isso resultou no beijo mais doce que já provaram. Sem interrompê-lo, Lua pegou a colher e voltou a preenchê-la com o chocolate. Arthur pôde sentir os pingos no pescoço e se tremeu por completo. Ela quebrou o beijo sorrindo e virou a colher deixando que mais brigadeiro caísse sobre o pescoço dele enquanto ele entortou a cabeça para o lado oposto, de forma que desse mais espaço a ela. Lua avançou no pescoço dele brincando de vampiro. Usou língua, lábios e dentes pra limpar o brigadeiro e, claro, deixar sua marca ali. Ao terminar, ela ficou com o rosto em frente ao dele e os olhos deles acenderam e apagaram como faróis quando motoristas querem indicar algo. Nesse caso, os dois queriam indicar que aquele momento não devia parar. Arthur inclinou Lua até que ela estivesse com as costas sobre o balcão gelado. Abriu os botões da blusa dela até o último, pegou uma colher de brigadeiro e fez um rastro que começou na altura do estômago e desceu até o umbigo. Ao sentir a boca dele, teve cócegas e contraiu o abdômen. Ele foi limpando o rastro e demorou-se mais no umbigo. Passou a língua em volta e por dentro dele, enquanto isso Lua prendia os lábios com os dentes.
- Arthur, se uma mulher que você acha feia estivesse chorando, ficaria com pena? – Lua ergueu um pouco a cabeça. Respirava rápido e Arthur observava o abdômen dela se mexendo apressado.
- Bom, depende do motivo! Por que essa p... – Lua não deu muito tempo de resposta, ela levantou se apoiando nos cotovelos e o beijou. Ele largou a colher de qualquer jeito e ela caiu no chão. Em seguida, segurou novamente as pernas de Lua em volta dele e a carregou para o quarto. Eles não pararam o beijo durante o caminho e Arthur teve que fechar a porta com um chute. Um poster do Muse despencou da porta com essa violência. Na sala, o rádio ficou tocando a todo volume enquanto que no quarto, os pibi's do relógio de Arthur aumentavam a velocidade a cada movimento. Uma sinfonia de batimentos cardíacos acelerados, prestes a explodir como uma bomba relógio.
O resto da tarde voou. Minutos jogados pela janela. Bem aproveitados, com certeza. O abajur colorido de Arthur girava espalhando suas cores, como de costume. Depois da última vez que ele sentiu suas forças lhe abandonarem e caiu na cama ao lado de Lua ofegante, ele se pôs a observar o quarto de uma forma que nunca havia feito antes. As cores do abajur se misturavam com uma fraca luz de sol que entrava pela janela. A tarde já estava chegando ao fim, dava pra ver pela luz laranja. Para Arthur, todas essas luzes e cores dançando no teto tinham cheiro de perfumes doces e poesias. Estava fascinado.
- Olhe só essas cores! – ele ainda olhava para o teto. Lua nada respondeu. Virou pra ele sem muita expressão no rosto, nem sorrindo e nem zangada. É difícil não gostar de um homem que não só repara nas cores, mas também fala nelas. Lua virou o rosto de novo pra cima e viu uma palavra saindo de sua cabeça como uma bolha e estourando no ar: coragem.
Ela se levantou pra ficar sentada. Um lençol cor de chocolate cobria o busto, mas as costas ficaram de fora. Arthur levantou um pouco o tronco e esticou o braço. Com a ponta do dedo indicador, ele desenhou algumas letras na pele dela: E U T E A M O. Não soube se ela havia entendido.
Lua viu sua calcinha branca por ali em cima da cama e pegou pra vestir. Arthur só observou, ninguém dizia nada. Quando ela estava prestes a botar os pés no chão para levantar e pegar suas outras roupas, ele se aproximou e segurou Lu num abraço.
- Eii! Eu não estava pretendendo te deixar sair daqui tão cedo!
- Sinto muito Arthur, mas eu tenho várias coisas pra arrumar ainda pra amanhã! – Lua retirou as mãos de Arthur da cintura dela, uma de cada vez e se levantou.
- Pra amanhã? – ele ficou sem entender.
- Claro, esqueceu? Viajo amanhã.
- Mas, mas...
- O que? Você tava achando que eu tinha mudado de idéia ou algo assim?
- É... – Arthur concordou sem abrir muito a boca. A voz dele saiu por uma pequena brecha nos lábios e soou infantil como em outras tantas vezes que Lua
já presenciou.
- Arthur! Você é tão esperto... Muito me admira ter pensado isso.
- Como assim? Por acaso foi absurdo eu pensar que a gente ia se acertar agora?
- Foi. Bem inocente da sua parte.
- Só falta dizer que se arrependeu de ter vindo aqui. – Arthur cruzou os braços e permaneceu sentado.
- Claro que não. Mas entenda de uma vez que isso foi uma despedida.
- E que raio de despedida é essa?
- Você também fez uma despedida quando ia se mudar com seus pais, lembra? Claro que essa aqui foi bem melhor!
- Aah, eu não acredito que você ainda vai usar o que aconteceu na era do gelo contra mim!
- Não Arthur, eu já disse que compreendi o que você fez aquele dia. Isso aqui foi bem diferente, não tem nada a ver.
- E "isso aqui" foi o que então? – ele fez aspas com os dedos, nem estava acreditando que a Lu de minutos antes estava se comportando assim agora.
- Pra você eu já não sei o que foi. Pra mim foi uma despedida e uma constatação.
- Constatação?! Constatação de quê?
Lua parou por uns instantes olhando pra ele com o par de sandálias nas mãos. Suspirou e sentou num puff.
- Que eu não preciso tanto assim de você.
- Não entendo nada. Você deve ter pirado.
- Eu nunca estive mais lúcida. Eu vou dizer o que eu acho pra ver se você entende. – Lua terminou de abotoar as sandálias. Já havia colocado o short e só faltava pegar a blusa cinza que estava no chão. – Gosto do seu toque, mas apesar de você me fazer ter orgasmos múltiplos, não é insubstituível. Deve ter muito canadense bom de cama, com certeza você não vai me fazer falta. Entende? Foi isso que eu percebi hoje. Eu achei que ia ser difícil ir embora depois de tudo, mas não está sendo. É mais fácil do que eu pensei.
Com as roupas completas, ela deixou o quarto. Arthur permaneceu boquiaberto por uns instantes, sentado entre seus travesseiros e lençóis. Quando Lua já estava na sala pegando sua bolsa, ele apareceu atrás dela. Detalhe: veio sem roupa mesmo.
- EEEII, ESPERA AÍ! – chegou na sala esforçando as cordas vocais em razão do som alto. Ele arrancou a tomada do aparelho. – Espere aí mocinha! Você não pode chegar aqui, me tratar assim 'como objeto e depois ir embora como se nada tivesse acontecido.
- Pensei que esse fosse um comportamento normal pra você. Não é assim que trata todas as mulheres?
- Eu nunca te tratei assim!
- Hum... mas não interessa. Eu estou meio apressada pra ficar discutindo "comportamentos-pós-sexo" agora. – Lua abanou o ar e caminhou em direção à porta.
- Já sei! Você não pode ser a Lua! AH DEUS DO CÉU! Tem um demônio possuindo o corpo da minha garota! Esse corpo que você ta usando pertence a mim! Ordeno que saia dele agora!
- Só tem uma proprietária desse corpo aqui e sou eu. Desde que nasci. Faço com ele o que bem entender.
- Você não é a Lua! Ela nunca me trataria assim!
- Se eu não sou a Lua, quem eu sou? – Lua rolou os olhos e parou de costas pra porta.
- Demônio?
- Depois eu é que to pirada...
- É sério! Você ta muito estranha! OMG! Vou ver quem tem água benta!
- Chega de brincadeira, apenas encare os fatos Arthur. Passamos uma última tarde juntos e eu agradeço por ela, mas estou indo agora.
- A Lu nunca me trataria assim! Você pode até dizer que é a Lua, mas você só pode ser a Lua-do-mal! De todas as patadas que ela me deu depois do incidente na minha casa com a Delilah, isso está sendo bem pior. Ela vem aqui, me ilude à toa e vai embora!
- Pára de falar de mim na terceira pessoa como se eu não estivesse aqui! Você está sendo um ridículo. Sem contar que, err... se eu fosse você, não viria até aqui sem roupa! Sabe que a sua sala tem enormes janelas, todas sem cortina... A menos que queira ser fotografado por algum paparazzi. Se isso acontecer, mande umas fotos pra mim no Canadá! Vai ser divertido!
- Ok então, se você é a Lua que eu conheço, por que não olhou nos meus olhos nenhuma vez enquanto falava essas bobagens?
- Ah Arthur, não venha com essa besteira de olhos pra cima de mim agora! Isso já ficou clichê demais, você falou muito dos meus olhos naquela carta... Aliás, por que não aproveita aquilo e transforma numa música? Acho que dava pra ganhar bastante dinheiro. – ao terminar a última frase, Lua saiu. Arthur ficou encarando a porta fechada por um tempo, da mesma forma como havia ficado no quarto minutos atrás. Ao cair em si, ele lançou um olhar desconfiado para as janelas e cobriu suas partes íntimas com as mãos. Voltou ao quarto literalmente com uma mão na frente e outra atrás.
Lua esperou a porta do elevador fechar e assim que isso aconteceu, alguns soluços começaram a se manifestar e ela teve que prender os lábios tentando impedi-los de sair. Não foi como ela havia afirmado, não foi algo fácil. Se sentia triste por ter de engolir sua própria mentira, mas sabia que foi a forma mais eficaz de fazer Arthur acreditar que ela não sente nada por ele, que não tem mágoa, nem ressentimento, nem ódio, nem amor, e a única coisa que ela vai deixar pra trás é alguém bom de cama, coisa que pode ser encontrada aqui e ali. Os soluços faziam fila e se amontoavam na garganta. Aquele bolo estava formado ali por saber que nada é assim como ela disse. Engolir a imagem dele sentado entre os travesseiros fofos com cara de criança sem presente de natal enquanto ela deixava o quarto estava cortando tudo por dentro, chegando a provocar dores quase insuportáveis. Lua entrou num táxi e seus olhos estavam como nuvens. Pesados e cheios de água.
- Para onde quer ir? – o taxista perguntou depois de um tempo que Lua entrou no veículo e permaneceu quieta de cabeça baixa. Ela o olhou bem pelo espelho retrovisor, com sua visão embaçada e olhos de nuvem.
- Eu não sei! – respondeu num sopro de voz e deixou que as lágrimas chovessem em seu rosto.
- Contanto que pague, pode até ficar aí... – o taxista murmurou rolando os olhos e voltou a preencher suas palavras cruzadas.

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